Relendo um livro para uma matéria que estou escrevendo, deparo-me com o seguinte trecho: “Solidamente plantada num platô, em meio das montanhas da Judeia, flanqueada por vales, ‘Jerusalém, a dourada’ lagarteia ao sol deste domingo de Páscoa”. É o gaúcho Erico Verissimo, em seu “Israel em abril”, livro escrito em 1969 em que relata uma viagem realizada ao país três anos antes, portanto quando a cidade dourada estava ainda dividida e cuja parte oriental estava em poder dos jordanianos. Ainda não havia acontecido a Guerra dos Seis Dias, e Jerusalém podia lagartear à vontade sob o sol que lhe dourava as muralhas.
A leitura é indispensável para quem quer se divertir, conhecer a Terra Santa dos anos 1960 pelos olhos de um brasileiro e, acima de tudo, se deliciar com o estilo único do Verissimo: “Penso: brinco de viajar, e viajando às vezes me digo que sou dois: um que viaja e outro que se vê viajar. No meu caso, há um terceiro, o que vai escrever sobre o que viajou e o que se viu a viajar. Depois virá um quarto eu: o que ler o que o terceiro escreveu sobre o que viajava e o que se via viajar”.
Logo no início do capítulo “Tudo vale a pena”, ele relata alguns encontros na chegada a Israel “num avião da Alitalia”:
Alguém me estreita contra o peito e ficamos a nos dar reciprocamente fortes palmadas nas costas, numa espécie de dança de ursos, antes mesmo de eu saber ao certo quem me abraça. Finalmente descubro: “Nahum Sirotsky, homem de Deus, que é que você anda fazendo por aqui?” Encontrei pela última vez este simpático judeu errante gaúcho em Washington, há uns quatro anos, e depois perdi-o de vista por completo. Conta-me que é adido de imprensa junto à nossa embaixada em Tel Aviv. Apresenta-nos Beila, sua mulher, uma loura de face dramática.
Nahum, como muitos dos que me leem e acompanham sabem, é meu guru, meu avô postiço, meu mentor e primeiro (e crítico) leitor em muitas das matérias que escrevi a partir de Israel, onde ele se instalou finalmente na década de 1990 e de onde seguiu trabalhando ao longo de muitos anos, como jornalista e correspondente. Tem hoje 87 anos. Foi um dos anfitriões do Verissimo na viagem que daria no livro. A “loura de face dramática”, Beila Genauer, mulher de Nahum, era atriz, e formou o Teatro dos Doze, ao lado de Sérgio Cardoso, Sérgio Britto e outros.
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