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Writer's pictureGabriel Toueg

Todos dormem, mas a cidade pulsa

São quase cinco horas de uma manhã de feriado raro do ano novo, quase final de janeiro, o mês do meu aniversário. Para os trinta e quatro anos completados há poucos dias, ganho uma dor nas costas que o Google me ensina se chamar lombalgia. Tenho um emplastro na parte inferior das costas, que promete aliviar a dor. Não funciona. Já tomei três comprimidos, e nenhum deles comprimiu a dor. Com ela, não consigo dormir. Todos dormem, mas a minha dor não permite sequer me virar na cama. Decido levantar e escrever.

Coloco a cabeça para fora da janela. Vejo minha rua vazia, silenciosa, um pouco molhada pela chuva que caiu mais cedo. Ouço um latido bem ao longe. O cachorro para. Deve também estar querendo dormir. Olho para o horizonte, que durante o dia me revela a cadeia de montanhas que cerca o norte de São Paulo. À noite, vejo apenas luzes, que parecem piscar em um ritmo ensaiado, todas juntas. Deve ser a impressão que meus olhos cansados dão. Não dou importância.

Firmo meu olhar entre as luzes e o perfil disfarçado de alguns prédios distantes. Algumas janelas têm luzes, que piscam e revelam que outras pessoas devem estar adormecidas diante de televisões ligadas. É o que eu acho. A cidade dorme. Todos dormem. Mas a cidade pulsa, como um coração. No silêncio em que me encontro, com a respiração suspensa por alguns segundos, ouço um tum-tum que não para. É o coração de São Paulo, que bate dia e noite. Suspeito ter ouvido um batuque, além do tum-tum, mas devem ser meus ouvidos cansados.

Caminho pela casa. Algumas poucas luzes estão acesas. É o bastante para eu enxergar o computador e digitar algumas palavras. Já desliguei a televisão, que não conforta minha dor – ao contrário, me força a posições desagradáveis para a lombalgia. O tum-tum continua, incessante. O asfalto das ruas de São Paulo deve estar quente, ainda. Luzes vermelhas no alto de prédios distantes formam uma linha imaginária que parece o desenho de um eletrocardiograma.

Todos dormem, mas a cidade pulsa. Quero dormir também.

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