100 Nahum Sirotsky, 100
- Gabriel Toueg
- May 1
- 4 min read

Quando conheci o jornalista Nahum Sirotsky, ele já era um respeitado veterano entre colegas. Tinha 78 anos, e desde então dizia que aquele seria seu último ano de vida. Com margem de erro de mais de uma década, ele acertou. Em 2015, num novembro frio de Tel Aviv, onde vivia, pouco antes de completar seus 90, Nahum se foi, deixando um legado e saudade. Se vivo estivesse, no finzinho de 2025 Nahum completaria um século de vida.
Quem me conhece bem sabe da relação que tínhamos, Nahum e eu. Começou com um convite dele (quase um autoconvite meu, confesso!) para tomar um café com ele em seu apartamento de Ramat Aviv, bairro pomposo no norte de Tel Aviv. Fui. Aquele primeiro café nunca aconteceu. Gosto de pensar que não achamos tempo para isso, de tanto que conversamos. Aquilo foi em 2002, minha primeira visita a Israel.
Neste 1º de maio celebro o 23º aniversário de quando conheci, muito emocionado, aos 23 anos, o Muro das Lamentações, em Jerusalém. Não fui sozinho. Entre tropeços e resmungos, Nahum estava lá comigo. Aquele lugar, no centro do mundo, já é poderoso, com uma energia que eu não sei explicar. Ouvindo as histórias do jornalista que cobriu a reconquista daquela Cidade Velha em 1967, tudo ficou ainda mais emocionante. Ele também escreveria a respeito em 2000:
É madrugada e se ouvem, por toda a cidade, gritos de alegria: paraquedistas de Israel tomaram a colina do Templo. Os judeus entraram em Jerusalém. Chegamos ao Muro das Lamentações, ainda sujo, com evidências do lixo que sobre ele acumulavam os habitantes da cidade. Em meio às orações, todos choram descontroladamente. Dois mil anos de orações por um muro de umas poucas pedras. “Você não entende. A tradição diz que as preces feitas junto ao Muro vão direto aos ouvidos de Deus”, explica-me um velho rabino. Ele me diz também que só há outro lugar assim: o túmulo de Abraão, em Hebron.
Fomos para Jerusalém porque ele estava a caminho de visitar os cinco netos por quem era apaixonado. Viviam vida ortodoxa num assentamento no meio da Cisjordânia, e Nahum queria que eu fosse com ele. Fui. Meu primeiro shabat (dia de descanso no judaísmo) com eles, o primeiro de tantos outros, foi mágico. Embora estivesse num lugar do qual discordo ideologicamente, mas acolhido como da família, pude aprender sobre a ortodoxia judaica naqueles dois dias mais do que em todos os 23 anos anteriores – à diferença do que pensamos no secularismo, eles estavam muito dispostos a se abrir e conversar.
Ali começava um período de dois meses em que eu praticamente me mudaria para seu apartamento. Entre me orientar em reportagens que eu fazia (pedindo para eu imprimir os textos para ele ler e em seguida amassando e lançando os papéis na direção de uma lata de lixo, para eu recomeçar!) e conversas, fui construindo a ideia de escrever sobre ele. Liguei o gravador e passamos horas e horas ouvindo seus relatos.
Em 2004, eu estava no Brasil porque precisava concluir a faculdade, que havia começado em 1997 e trancado quatro meses antes de me formar. Sentia que precisava cair no mundo e foi o que fiz – de outra maneira, não teria conhecido Nahum. Meu trabalho de conclusão de curso, apresentado em junho daquele ano, tentou fazer jus a todas as histórias que Nahum me narrou ao longo do período em que convivemos nos 2 anos anteriores - de perto, em Tel Aviv, ou de longe, pelo telefone ou Skype, para tirar dúvidas e aprender mais.
Numa de nossas conversas, ele me pediu: "Não exagere, minta o menos possível! Não me transforme em herói nem em paradigma. Sou apenas um jornalista que tem 60 anos de profissão, que amou a vida inteira e que fez algumas coisas que ficam". Modesto, sempre.

As histórias de Nahum são fascinantes. "O jornalismo foi uma grande aventura", já escreveu. Sua forma apaixonada de contar, ainda mais. Eram relatos de grandes coberturas, de pessoas com quem ele conviveu ou entrevistou – Getúlio Vargas, Che Guevara, Jânio Quadros, Frank Costello e Al Capone, Guimarães Rosa, Chatô, Oswaldo Aranha, Joel Silveira, Samuel Wainer (seu tio), Shimon Peres, Rubem Braga, Millôr Fernandes, Fidel Castro...
Os relatos, ele mesmo admitia, eram "versões da realidade":
Memórias são versões da realidade. Não conseguimos repetir e descrever o que sentimos e nem o que vimos. O que você escreve é realmente uma versão imaginada – Nahum Sirotsky
Com o trabalho acadêmico de 300 páginas debaixo do braço, duas malas pesando muito mais do que o limite permitido pela companhia aérea, ideias, ideais e sonhos, embarquei de volta para Israel em julho de 2004.
Mudei-me para Jerusalém para começar vida nova. Na primeira oportunidade que tive, viajei a Tel Aviv para entregar o trabalho (impresso!) ao Nahum. Eram escritos de foca, que eu poderia ter feito melhor. Mas ele ficou emocionado. Dizia sempre que não havia o que dizer a seu respeito, mas os fatos sempre mostraram que aquilo era pura modéstia.
Eu estava no Chile, na estrada a caminho da Patagônia, em 2015, quando recebi a notícia sobre a morte de Nahum. Foi um baque enorme: eu estava longe, no meio de lugar nenhum, mal acompanhado e, pra ajudar, sem grana pra poder ir me despedir do meu grande amigo.
Meu conforto veio na forma de mensagens no telefone: amigos e colegas que sabiam da nossa proximidade me procuraram para expressar seus sentimentos. Alguns me pediram textos – um deles escrevi com o também saudoso Alberto Dines, que entrou no jornalismo pelas mãos do Nahum. Já se vão dez anos.
Capa: Nahum Sirotsky diante da Casa do Jornalista, em Tel Aviv (foto: Gabriel Toueg)
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