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  • Writer's pictureGabriel Toueg

Nahum Sirotsky: do nariz de cera ao podcast

[Estou reorganizando minha monografia, um trabalho que escrevi 20 anos atrás sobre o jornalista Nahum Sirotsky, um dos mais veteranos profissionais da imprensa brasileira. Ao mexer nos antigos arquivos, encontrei uma entrevista que fiz em 2012 com ele para a revista Aventuras na História, mas que nunca foi publicada - pois faço isso agora!]


Ele viu de perto guerras, guerrilhas civis, entrevistou políticos e mafiosos, viveu o jornalismo dos anos que o futuro chamaria de "dourados". Hoje [em 2012], aos 82 anos, mais de 60 deles dedicados à profissão, Nahum Sirotsky vive em Tel Aviv, Israel, de onde segue trabalhando diariamente, apesar de ter um dedo em cada mão quebrado pela ditadura. Casado com a atriz e escritora Beyla Genauer, que vive no Rio, Nahum tem um filho e cinco netos morando em um assentamento judaico ultraortodoxo perto de Jerusalém. Foi foca de Joel Silveira, lançou Paulo Francis e Alberto Dines, trabalhou com Chatô e Roberto Marinho, conheceu Frank Costello e ganhou um charuto das mãos de Che Guevara.

No fim da década de 1950, Nahum foi o homem à frente da revista Senhor, que revolucionou o mercado editorial da época. "O primeiro número me fez chorar, foi um sucesso", conta. Dirigindo a revista, o jornalista reuniu nomes como Jaguar, Clarice Lispector, João Guimarães Rosa, Carlos Scliar, Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Millôr Fernandes, Jorge Amado, Carlos Heitor Cony, Vinicius de Moraes... Três anos depois, desgostoso, deixou a revista e partiu para a diplomacia: era 1961. Ele voltou aos EUA, onde vivera duas décadas antes e trabalhara como correspondente do jornal O Globo. Depois, seria também adido na embaixada brasileira em Tel Aviv.

Ainda em Israel, Nahum passaria a trabalhar durante dois anos como correspondente, ao mesmo tempo, de O Estado de S. Paulo, assinando com o pseudônimo "Nelson Santos", e do Jornal do Brasil. "Nahum Sirotsky era exclusividade do jornal carioca. O pseudônimo passou a escrever melhor que o original", brinca. Mais de 20 anos depois, o jornalista voltou a se estabelecer em Tel Aviv – onde vive desde então. E foi durante uma cobertura na Cisjordânia, distraído, que recebeu de um garoto palestino uma pedrada no joelho. "Até isso valeu", diz. Nahum foi convidado recentemente para a comissão do centenário da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), comemorado no próximo mês de abril. [Em 2015, perto de completar 90 anos, Nahum faleceu em Tel Aviv].

Como você recebe o convite da ABI?

Sirotsky: Devo à ABI minha profissão. No início da década de 1940, a revista Diretrizes, na qual eu trabalhava como contínuo, foi fechada pelo DIP [Departamento de Imprensa e Propaganda]. Dirceu do Nascimento, que era secretário-geral da Agência Meridional, da cadeia dos Diários Associados, sugeriu que eu procurasse o doutor Herbert Moses [presidente da ABI entre 1931 e 1964] para lhe pedir emprego. Nascimento me recomendou: "Chega nele e diz teu nome com firmeza. Vamos ver o que acontece". Ele era um cara maravilhoso, que tinha construído a ABI, um baixinho fantástico, fora de série, e também diretor de O Globo. Depois de dizer a ele que sabia idiomas, recebi um cartão dirigido a Alves Pinheiro, chefe de reportagem do jornal. E assim fui aceito como repórter. A ABI era o caminho para os jornalistas. Dr. Moses defendia a profissão com unhas e dentes.

E o trabalho anterior, na revista Diretrizes?

Nahum Sirotsky é um homem branco, idoso, com cabelos brancos rentes, usa camisa branca e suéter de cor cinza, está de lado na foto e parece estar falando
Nahum emTel Aviv (foto: Gabriel Toueg)

Eu era datilógrafo, fazia limpeza, trabalho de contínuo. O Joel Silveira era um grande repórter de Diretrizes e acreditava em mim. Ele me usava para fazer pesquisas, buscar informações. Uma vez ele me pediu para entrevistar os acadêmicos da ABL [Academia Brasileira de Letras] e eu disse a ele: “Como vou me apresentar lá?” Joel respondeu: “Você se chame de Nelson Rodrigues Sobrinho” e eu assumi esse nome. Depois de passar horas com os imortais, entreguei as notas datilografadas a Joel. Ele apenas me disse: “Você dá para a coisa. Mas nunca mais apareça na Academia”. Uma semana depois, Diretrizes publicava Os imortais da Glória, a maior e mais engraçada gozação jamais feita sobre os acadêmicos. O Nelson Rodrigues Sobrinho foi duramente atacado por vários deles sem saber por quê. Só anos depois vim a descobrir que o tal Nelson existia...

É verdade que você perdeu a chance de entrevistar Getúlio Vargas porque tinha ido ao banheiro?

É (risos). Eu estava fazendo plantão na frente do Palácio da Guanabara para entrevistar Vargas para O Globo, em pleno golpe militar que o derrubaria. Alves Pinheiro, chefe de reportagem, tinha pedido que eu substituísse um colega que estava no local havia muito tempo. Fiquei horas na rua Paissandu conversando com soldados que nem sabiam o que faziam lá. De repente, Vargas aparece na janela e eu grito:"Presidente, sou do Globo”. Mas não aguentava mais. Fui ao banheiro em uma casa vizinha e deixei José Leventhal em meu lugar. Quando voltei, ele estava na maior alegria: “O Getúlio apareceu na janela, me chamou e me deu uma exclusiva. Fique aqui que vou correndo ao jornal com a matéria”.

Mas você conseguiu driblar os seguranças de Vargas certa vez. Como foi?

Nahum Sirotsky é um homem branco, de cabelos grisalhos, usa terno marrom e gravata, camisa branca, óculos com aros grossos e olha em direção à câmera
Sirotsky nos anos1970 (Arquivo pessoal)

Eu estava com o fotógrafo Antônio "Mulato" Monteiro, também do Globo. Esperamos com paciência na porta do palácio até que saiu uma caravana de carros de amigos e policiais de Vargas. Eles o levavam ao aeroporto, de onde embarcaria para o exílio. "Mulato" sugeriu que colocássemos o carro entre os outros da caravana, e ninguém notou. Entrei no aeroporto fazendo um sinal com os dedos. Monteiro fotografava do carro. Apenas mais tarde perceberam que não deveríamos estar ali. Ao ver policiais correndo em nossa direção, Getúlio soprou para sua filha, Alzirinha, que nos deixassem em paz. No dia seguinte o jornal publicou “fotos dos últimos momentos do ex-ditador no Rio de Janeiro”.

Como você se sentiu naquele momento?

Nahum é um homem branco, de meia idade, usa óculos de aros grossos, usa terno e gravata e não olha em direção à câmera; tem os cotovelos apoiados em uma bancada e manuseia o dedo ferido pela ditadura Vargas
Sirotsky na TVE; repare como manuseia o dado quebrado na mão esquerda (Arquivo pessoal)

Tive medo, o mesmo frio de medo de quando fiz visita forçada ao casarão do Dops [Departamento de Ordem Política e Social, órgão do regime militar de censura e opressão da imprensa]. Eles tinham meios muito refinados de obter informações (risos). Guardo sinais de minha visita até hoje. Doía demais, tanto que cheguei perto de concordar com eles para encerrar a conversa. Queriam que eu contasse sobre o que nada sabia.

E por que você foi levado ao Dops?

Porque confundiram "Sirotsky" com "Sikorski", o sobrenome do denunciado. Um dos policiais chegou a dizer que era tudo a mesma coisa! Alves Pinheiro, além de trabalhar no Globo, era assessor de imprensa da polícia. Alguém teve a ideia de perguntar a ele. Ele confirmou e eu saí.

Houve uma ocasião em que você esperou dias para entrevistar o Dutra. Como foi?

Eu trabalhava no Globo nessa ocasião, também. Tinha que falar com o general [Eurico Gaspar] Dutra sobre a tropa brasileira lutando na Itália. Ele era ministro de Guerra de Vargas desde o fim dos anos 1930. Pedi a entrevista, mas naquela época não havia assessor de imprensa – era capitão, secretário... E o Dutra disse que não falava com a imprensa. Não desisti. Comprei um exemplar de ...E o vento levou com mais de mil páginas. Todas as meninas já tinham lido! (risos) Sentei-me na antessala do ministro e comecei a ler. Chegava cedo todos os dias e lia. Ninguém me tirava dali! (risos) Quando Dutra passava, eu me levantava, dizia “bom dia” e voltava ao livro. No final de 15 dias, ele me mandou entrar no gabinete e perguntou o que eu queria para que ele não visse mais a minha cara. No dia seguinte, ganhei a manchete de O Globo. E eu nunca terminei de ler o livro (risos).

Você já foi ameaçado em função de seu trabalho como jornalista?

Certa vez, consegui acesso ao Partido de Representação Popular, que estava sendo criado para ocupar o vazio do Partido Integralista. Usava um sobrenome alemão falso – Drucker. Fui aceito e cheguei à liderança juvenil. Em uma reunião, reconheci o nome de um amigo do colegial. Saí e redigi Os lobisomens verdes agem no Brasil. Era o nome da guerrilha nazista de Berlim. O texto provocou cartas de protesto exigindo desmentido, mas Roberto Marinho ignorou. Publicaram matéria paga, contra mim, e me tornaram nacionalmente conhecido (risos). Mas passaram a telefonar para minha mãe fazendo ameaças. Eu andava com um revólver no bolso e prometi que atiraria no primeiro que chegasse perto demais!

Como você foi parar nos Estados Unidos?

Era 1945 e viajar de avião era caríssimo. Fui de navio, levei um mês, um mês e meio entre o Rio e Nova York. Chegando, encontrei um apartamento perto da antiga sede da ONU. Sonhava em chegar ao jornal The New York Times. Tinha pressa de começar a vida de correspondente estrangeiro (risos). Achava que seria romântica e cheia de aventuras, e eu estava certo! Como jornalista, tive a oportunidade de viver aventuras que não teria vivido se fosse um homem comum. Uma vez estando em Nova York, eu ia aos jornais locais com a cara e a coragem. Acabaram me aceitando em um tabloide intelectualizado chamado P.M., porque eu sabia português, espanhol e francês. Lá eu aprendi a escrever usando o lead, quando no Brasil ainda se abusava do nariz de cera.

Nessa época você conheceu o mafioso Frank Costello?

Sim. Depois de trabalhar no P.M., passei a colaborar com outro tabloide, o New York Post, até começar no New York Daily News, outro jornal popular que enfatizava histórias policiais, escândalos. Graças a desse trabalho, vivi meses na sala de imprensa da central de polícia da cidade. Naquela época, conheci Costello. Era um homem magro, de voz mansa, extrema delicadeza, olhos tristes... Não parecia o que era (risos). Conversei uma única vez com ele.

E como foi a volta para o Brasil?

Não foi nada fácil. Foi complicado me readaptar ao país, Nova York tinha tudo, era o mundo! Nos Estados Unidos eu entrevistava os grandes nomes da época. No Rio de Janeiro, me vi conversando com políticos e malandros locais (risos). O Rio era a capital [do Brasil], mas era uma cidade provinciana. Os temas dos políticos eram repetitivos. Nova York tinha mudado meus gostos.

Mas você assumiu a editoria internacional de O Globo nessa época.

Fui ser editor por saber línguas e ter estado no exterior. Mas o cargo não tinha esse nome. Eu era o “responsável pelo noticiário internacional”. Tinha trazido o lead, que ainda não era apreciado no Brasil. Eu também estruturei e implantei o programa O Globo no Ar, o primeiro noticioso de rádio com equipe exclusivamente brasileira. Roberto [Marinho] confiava nos jovens e me fez chefe do jornalismo da Rádio Globo.

Sua experiência internacional incluiu a cobertura do Bogotazo, na Colômbia, de várias guerras no Oriente Médio, uma visita à Alemanha pós-guerra... Qual é o sentimento na cobertura de guerras?

As guerras civis, como o caso do conflito na Colômbia, são muito cruéis, são feitas de ódio entre irmãos. Os combates entre Estados, contudo, são verdadeiras matanças planejadas com antecedência. As guerras são fotogênicas no cinema, mas não têm nada de belo ou glorioso na realidade. Os conflitos a que assisti de perto me convenceram de que os humanos são o mais feroz dos animais. Procuro não imaginar como deverão ser as futuras. Nas guerras, os jornalistas vão atrás de bons temas e de glória. Os que sobrevivem acabam viciados nas emoções do medo.

O modo de fazer jornalismo mudou desde aquelas épocas?

Eu acho que a pesquisa anterior à internet tinha mais qualidade, porque dependia muito do profissional, do esforço que ele colocava no trabalho, da base cultural que possuía. Eu acho que existia no texto daquela época um gosto de vida, de realidade, de emoção, que hoje não é tão comum. Além disso, tínhamos um estilo de escrever, o nariz de cera, que foi superado.

Você hoje escreve para internet, está concedendo esta entrevista pelo Skype e produz até um podcast. Como é lidar com todas essas tecnologias?

Eu faço o podcast para a editoria internacional do Último Segundo. Os meninos de lá me ensinaram, é simples! Falo durante cinco minutos, e cuido para manter a atualidade e ser didático. Mas minha longa vivência em rádio me ajuda. Trabalhei nas rádios Mayrink Veiga, Tupi, Record, Globo. Em tantas décadas de jornalista, tive que me adaptar a diversas tecnologias de comunicação: telegramas, fax, telex, gravadores de rádio desde o primeiro, em arame, internet... É essencial aprender sempre sobre as tecnologias. Ou você tenta se atualizar, ou fica intelectualmente superado.

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