Gravador com fita e a pilha, como em 1995 (foto: Reprodução/Folha de S.Paulo)
A maioria dos jornalistas que entram no mercado de trabalho hoje, como é o caso do repórter da Folha de S.Paulo Bruno Fávero, já nasceu em um mundo hiperconectado, em que smartphones e internet fazem parte natural do processo de apuração e retorno de qualquer matéria – para o bem e para o mal.
Gosto, por nostalgia pura, de me lembrar de que quando eu entrei na faculdade, em 1997, ainda havia um laboratório com dezenas de máquinas de escrever barulhentas. Isso foi ainda dois anos depois do aniversário que a Folha comemora com a série de reportagens Nativos Digitais, dos 20 anos do site do jornal.
Lembro ainda de estar trabalhando em uma revista quando a dona da editora chamou a redação inteira na sala dela para mostrar uma coisa revolucionária, um tal de Google. Ficamos horas ao redor do monitor gigante dela fazendo pesquisas egocêntricas, com nossos nomes, para saber o que aquele site sabia de nós – e era muito mais do que podíamos imaginar!
Naquela época a redação tinha apenas um computador conectado à internet. Fazíamos fila para enfrentar uma internet lenta e ruim. De lá salvávamos as informações em disquetes ou imprimíamos para só então voltar ao nosso terminal e escrever. Olhando para trás, parece algo da era das cavernas! Assista ao vídeo para saber como se fazia jornalismo há vinte anos.
Reparem no que o repórter, ele mesmo parte dessa nova geração, diz no vídeo: uma parte muito importante do jornalismo é o contato, a relação com as pessoas, “que muda pouco com a internet”. De fato, isso a internet e o celular não substituem e não substituirão nunca. Fávero percebeu ainda a relevância de pesquisar em fontes offline, porque nem tudo está digitalizado e online, “especialmente no Brasil”.
O colega jornalista José Roitberg lembrou, em uma conversa no Facebook, como era o processo de apuração e redação da notícia (nem tão) antigamente, e elencou algumas das funções que desapareceram ao longo do tempo:
“Repórter ia aos fatos e reportava. Se houvesse qualquer dúvida ou se precisasse de mais informações, entrava em ação um apurador. Nenhum deles escrevia a matéria – isso era função de um redator, que podia ou não pedir nova apuração. O texto, em seguida, ia para um editor de área, que o alterava ou exigia nova redação, podendo ou não pedir nova apuração. Então o texto ia para um editor geral, que agia da mesma forma. Em seguida o texto recebia sua forma e redação finais nas mãos do linotipista, que era o redator mais capacitado deste linha inteira”.
Como bem mencionou Roitberg, “o sujeito que manipulava o chumbo derretido era o mais erudito e responsável pelo que iria sair impresso. Vários dos grandes escritores brasileiros e membros da ABL ganharam a vida na máquina de linotipo”.
Esse processo demorado funcionava bem em um tempo em que as pessoas consumiam notícias em um momento determinado do dia, em geral de manhã, ao apanhar o jornal na soleira ou comprá-lo na banca. Hoje, com terminais de leitura nas mãos o tempo todo, o leitorado busca notícias constantemente – e o preço pago por isso é a urgência na apuração e na redação dos textos, levando a erros cada vez mais comuns.
Formação. Todo esse papo e essa viagem no tempo leva a uma discussão interessante sobre a formação do jornalista. Faculdades formam técnicos em uma profissão que não é técnica. Há aspectos técnicos importantes, como a distância que o gravador (hoje, um celular com um app baixado de graça) deve estar da boca do entrevistado, por exemplo. Mas de que adianta saber isso se o repórter segurando corretamente o gravador não sabe o que perguntar?
Volto ao Roitberg, que faz uma crítica correta:
“Nas últimas décadas, o estagiário ou aquele recém formado, contratado por seis meses, sujeito que deve ter passado com média 5 em português durante o curso, ouve alguma coisa, copia e altera alguma coisa, escreve e publica online rapidamente. Se tiver dúvida, procura na Wikipedia ou no Yahoo Answers… Quanto mais rápido, melhor. Assim, a empresa jornalística decidiu dar o formato final da notícia para seu funcionário menos qualificado em vez de ser pelos dedos do mais qualificado. Estamos onde estamos…”
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