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Writer's pictureGabriel Toueg

Feriado das bicicletas

Publicado originalmente no Expresso Oriente


É Yom Kipur, dia do perdão. Aos poucos a cidade vai adormecendo, como se escapasse da rotina maluca para uma siesta gostosa e preguiçosa de meio de tarde. Os carros e motos lentamente vão deixando de circular, as ruas vão ficando vazias. As pessoas voltam das compras e fazem, em família, a última refeição antes do jejum de 25 horas. As bicicletas e patins saem dos depósitos empoeirados e começam a circular pelas ruas, guiadas por crianças e menos crianças. Os semáforos, dentro de pouco tempo, deixarão de fazer sentido.

Yom Kipur é diferente aqui em Israel. Horas antes do começo do jejum, mesmo quando a data não coincide com o shabat, como acontece este ano, supermercados, lojas e restaurantes fecham. Nada funciona. Yom Kipur, dizem, é o shabat dos shabatot, o sábado dos sábados. Os ônibus param de circular, mas também não circulam táxis. Não há transporte, mas também não há para onde ir.

As pessoas ficam em casa, jejuam (de acordo com uma pesquisa, 61% dos judeus israelenses vão jejuar este ano), leem (meu suplemento gordo do Haaretz está à espera!) e, mais que nada, refletem. A parada de 25 horas na loucura da rotina faz bem para as reflexões e balanços. Mesmo com fome, mesmo com sede. Durante um dia e uma hora, comer e beber é proibido.

Com a reflexão vem o silêncio, merecido silêncio anual. Não há barulho de motor de carros, ou do tremor do motor de caminhões. Não há o buzinar tão típico dos israelenses no trânsito. Aos poucos, os barulhos do dia a dia dão lugar às risadas das crianças, que passeiam livres pelas ruas. Os mais atentos e concentrados conseguem ouvir o som das rezas vindo de alguma sinagoga próxima.

Yom Kipur é dia de ficar em família, em casa ou na sinagoga. De passear de mãos dadas pelo meio da rua, criando uma megacalçada sem regras de trânsito. De apreciar o silêncio e os sons naturais da vida. De proibições: além de comer e beber, é proibido acender fogo ou eletricidade, carregar dinheiro, usar couro, manter relações sexuais, tomar banho ou usar perfume, trabalhar.

Pouca gente trabalha em Israel no Yom Kipur. Mas policiais e o Exército ficam de plantão, em números expressivos. Os aeroportos fecham, mesmo o único aeroporto internacional, o Ben Gurion. De quando em quando, ambulâncias circulam silenciosas nas maiores ruas para atender quem quer que tenha caído de bicicleta ou se machucado nas megacalçadas.

Yom Kipur é também dia de relembrar. Em 1973, enquanto a maioria da população jejuava e estava em casa, longe da televisão e do rádio, que saem completamente do ar durante as 25 horas, o país foi atacado nas fronteiras norte e sul. Além de relembrar, os israelenses ficam em alerta máximo.

Embora nem todo mundo jejue em Israel, e (sim!) nem todos os judeus jejuem no Yom Kipur, é comum ouvir e dizer, nas vésperas, tzom kal, um jejum fácil. E é comum desejar, como eu faço agora, gmar chatimá tová, que sejamos – todos – inscritos no livro da vida.

Anos passados

Em 2008 escrevi Quem tem medo do Yom Kipur, Yom Kipur, Yom Kipur. Dois anos antes, em 2006, escrevi, em outro blog, De repente, 5767.  Notas sobre fim de ano judaico ao longo do meu tempo em Israel.

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