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  • Writer's pictureGabriel Toueg

O incêndio do Museu Nacional, no Rio, e como ele traduz o Brasil atual

Incêndios sempre estiveram no meu imaginário e, de forma meio assustadora, ao meu redor. Quando eu ainda era filho único e tinha portanto menos de dois anos, um moleque que morava no mesmo prédio ganhou um par de tênis de que não gostou, ateou fogo e jogou dentro do armário. O prédio pegou fogo dali pra cima. Morávamos mais pra baixo e eu não me lembro de absolutamente nada, mas essa foi minha estreia. Minha mãe, que estava em casa, conta de ter apanhado cigarro, cão e rebento e corrido escadaria abaixo.


Já tive situação de trabalhar em empresa cuja sede pegou fogo num fim de semana, o que gerou dores de cabeça, atrasos e alguns danos. Minha mãe sempre relata com emoção e dor de quando presenciou, entre chamas e pessoas saltando de janelas, o

incêndio do edifício Joelma, no centro de São Paulo, que matou quase 200 pessoas em 1974, poucos anos antes de eu nascer. Se eu forçar minha memória, certamente vou achar mais algum episódio parecidos. Prefiro parar aqui. Mexo com fogo com especial cuidado até hoje. Sem brincadeira.

Sempre que penso sobre situações de incêndios, tanto como de inundações, ou quando vejo cenas de tragédias assim na TV, foco meu olhar nas pessoas que perdem tudo: a desolação, a tristeza, a esperança de encontrar algo entre escombros rescaldados e encharcados, ainda que seja uma foto meio queimada, um objeto de valor sentimental, mesmo que pela metade, a dor de ter de reconstruir, recomeçar, reerguer…

Hoje o Brasil “perdeu tudo”. Vi há pouco um vídeo publicado no UOL e feito por um observador desolado, na madrugada, do incêndio do edifício de 200 anos que abrigava o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, zona norte do Rio de Janeiro. O comentário dele resume o que para mim significou esse acontecimento, que está longe de ser uma tragédia – tragédias são coisas inevitáveis e esse não foi o caso do palácio. Como ouvi hoje, “tragédia é um raio que cai na cabeça de alguém”.

Reproduzo (assista clicando no link do UOL acima):

Gente, meu Deus, eu não acredito, cara. Olha como está o Museu. Eu cheguei aqui agora. A gente perdeu tudo, cara (chora). Meu Deus do céu. Jesus. Jesus.

Eu já tinha ido dormir ontem e acordei para revirar na cama. Resolvi olhar o celular e me deparei com portais repletos de chamadas sobre o incêndio. Tristeza. Confesso: não conhecia o Museu Nacional. Nunca esteve nas minhas prioridades nas visitas que fiz ao Rio. Duvido que estivesse na prioridade ou na agenda dos amigos cariocas, tampouco. Devia, mas não era um ícone do turismo local e nem poderia num país que relega museus a uma categoria estranha de esquecimento.

É o mesmo esquecimento que justifica o sumiço dos investimentos, a falta de equipamentos de segurança e de combate ao fogo no edifício, a falta de pressão na água dos dois hidrantes localizados ali perto, a ausência de uma brigada de incêndio em um dos prédios mais importantes da história brasileira, que abrigava um acervo impressionante de 20 milhões de itens – dos quais, estima-se, menos de 10% tenham escapado das chamas.

Hoje de manhã, uma foto gigante de uma fachada pomposa, a estátua de um Dom Pedro II que preferiu ficar de costas e o calor cor-de-laranja estampava a primeira página do jornal na minha soleira. O assunto não saiu da TV o dia todo. Ouvi alguns comentários idiotas de políticos (muitos lamentando e nenhum se responsabilizando) e o empurra-empurra de sempre para livrar a culpa de um incêndio anunciado ao menos desde 2004. Vi também declarações emocionadas de estudantes, funcionários, dirigentes do museu…

Agora, o rescaldo. As promessas. O dinheiro que não vinha de repente e tardiamente aparecendo. As comparações do que seria possível fazer com a grana que faltou. As responsibilizações. O anúncio de investigações – federal, municipal… Esse é o Brasil. O Brasil que mata 300 jovens em uma boate e só depois resolve fiscalizar a segurança de casas noturnas. O Brasil que perde a própria escassa memória para as cinzas e depois pensa em como proteger os acervos remanescentes. Ou que acelera reparos paliativos em prédios país afora depois de ver um deles ruir no centro de São Paulo matando 7 pessoas.


The shell that remains of the @MuseuNacional in #riodejaneiro – absolutely devastating pic.twitter.com/EALg79FMqo — Katy Watson (@katywatson) September 3, 2018

Em uma análise publicada na BBC News, a correspondente da agência britânica na América do Sul Katy Watson, autora do vídeo e do comentário acima, chamou o incêndio de “Uma metáfora gritante para uma cidade em crise”:

Não é apenas a história brasileira que está em chamas. Muitos vêem isso como uma metáfora para a cidade – e para o país como um todo. O Rio de Janeiro está em crise. Violência crescente, um profundo declínio econômico e corrupção política se combinaram para tornar a cidade uma sombra do que já foi. Foi só em 2016 que (o Rio) sediou os Jogos Olímpicos – um evento no qual o Brasil despejou bilhões de dólares. Mas a ressaca do evento esportivo atingiu o Rio de Janeiro. Acrescente a isso o fato de que os gastos federais foram reduzidos e, com a violência em ascensão, os números do turismo também diminuíram. Esse foi um museu que muitos viram por tanto tempo ignorado e subfinanciado – agora, com consequências devastadoras para a herança do Brasil.
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