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Writer's pictureGabriel Toueg

Sete de Outubro, dois meses depois: uma nota pessoal

Updated: Apr 8

Mais um mês, e já são dois, desde que o Hamas promoveu uma carnificina em Israel. Eu queria poder falar de novo sobre os civis em Gaza que estão morrendo aos milhares desde que a resposta de Israel começou, também há dois meses, mas hoje vou tomar a liberdade de deixá-los um pouco de lado. Não é falta de empatia.


Hoje quero fazer uma nota pessoal. E isso passa necessariamente pelo fato de que eu vivi 7 anos em Israel. De que sou judeu, conheço muita gente e tenho grandes amigos lá, tenho uma ligação profunda e quase inexplicável com aquele país, os valores, a cultura, o idioma - e mesmo que eu não tenha nascido ou passado a maior parte da minha vida lá.



Faz dois meses que eu tenho conseguido fazer muito pouco além de ler notícias, análises, assistir a vídeos (ainda não assisti ao infame vídeo de 43 minutos que Israel tem mostrado a jornalistas - mas já vi vários trechos aterradores), documentários feitos às pressas sobre os massacres nos kibutzim, no festival, na base de Sufa... Esbarrei outro dia numa análise sobre a guerra de 1973, na qual os ataques de outubro foram inspirados. "A Israel que lutou a Guerra de Yom Kipur não existe mais". A data: 6 de outubro.


Fonte: Israel is Under Attack, governo de Israel


Entre paralisado com os horrores que vejo, os relatos duros que ouço, as histórias escabrosas que leio, e a tentativa de tentar começar a compreeender o tamanho do trauma de quem passou por isso, vou vivendo.



Minha forma de lidar com o horror, com a dor, com o pavor, com o luto de um coletivo do qual faço parte é escrevendo. Fazia tempo que eu não tocava no meu site e só o recoloquei no ar (com uma cara diferente, renovada) porque queria voltar a escrever. Pensei em ir para Israel enviado por algum veículo, minha esposa não gostou (certa ela, afinal). Fui atrás de colaborar com a imprensa de alguma forma e tenho feito isso para o Times of Israel.



Ainda estou acertando o estilo, escrever para uma audiência de cultura diferente da minha e em outro idioma não é tão natural quanto escrever em português para brasileiros. Então, até aqui redigi curtos obituários de latinoamericanos vitimados pelo Hamas. Cada texto, uma dor. Jovens, quase crianças, famílias inteiras, pessoas festeiras cujo crime foi estar em uma rave "perto demais da Faixa de Gaza", a brasileira sem ninguém para enterrá-la. Eu me vejo em cada um.



Escrever também é o jeito que encontro para desafogar, despressurizar. Tem gente que chora, tem gente que congela, tem gente que grita, tem gente que se isola. Eu escrevo. Por isso, também, criei um grupo no WhatsApp para conversar sobre a guerra desde um ponto de vista moderado e respeitador. Tem sido bacana, todos convidados.


Fonte: Agilite


Não é fácil lidar com tudo isso. Enquanto assisto a um vídeo, leio uma matéria, troco mensagens no grupo do WhatsApp, explico detalhada e pacientemente alguma coisa que me perguntam, meu celular fica apitando com dezenas notificações de mísseis chovendo sobre Israel, com aquela voz feminina grave que avisa emergência e que ecoou tantas vezes no sul de Israel naquele Sete de Outubro: Tzeva adom, tzeva adom*. São tantos avisos que muitas vezes um se confunde com outro. Não é só no sul, não é só ao redor de Gaza.


Tzeva adom, tzeva adom.

É um pesadelo.


 


'Eles podem até atirar em mim'

Imagem mostra mulher idosa com lenço palestino cobrindo o cabelo, apenas com o rosto de fora

Ontem vi um curto vídeo em que um repórter árabe entrevista uma senhorinha, lenço na cabeça, ambos cercados de jovens curiosos. O repórter induz a idosa a dizer aquilo que ele quer ouvir: "A situação está difícil, a ajuda não está chegando", ele diz, sem perguntar. Ela responde enfática:


Toda a ajuda está indo "para baixo"[em referência a "debaixo da terra", à segunda Faixa de Gaza, uma teia de túneis com 500 m de extensão]. A ajuda não chega a toda a nação e a todo o povo.

O repórter não se dá por contente, segue inquirindo a entrevistada em vez de ouvi-la. Atenta aos argumentos dele, ela sorri levemente, mão em riste e faz um gesto que todos conhecemos muito bem, balançando o indicador, em sinal de reprovação. E afirma, com a força de uma mulher árabe que eu conheci na minha avó:


Tudo vai para as casas deles [do Hamas]. Eles pegam, eles vão até atirar em mim e fazer o que quiserem comigo, o Hamas.

Posso ouvir mil defesas do Hamas, de que se trata de "resistência", de que os atos terroristas são "uma resposta à opressão e à ocupação". Mil e uma vezes eu vou balançar a cabeça inconformado e dizer: NADA, NADA, NADA justifica o terror. Nada. O terrorismo vil, cruel, avassalador, desprezível, aterrador, torpe, hediondo, abjeto, impetuoso, atroz, bárbaro, pavoroso, desumano etc. do Sete de Outubro - tão menos ainda.


Nenhum tipo de terror é justificável, vindo de quem for e atingindo quem quer que seja. Colonos israelenses ultrarradicais e extremistas, que vivem em terras ocupadas e se acham no direito de afastar palestinos à bala são terroristas. Fazem o que fazem em nome de uma interpretação radical da religião, agarrando-se à terra mais do que à vida. Esse terrorismo, como qualquer outro, não se justifica por nada.


ATENÇÃO: O VÍDEO ABAIXO CONTÉM IMAGENS FORTES,

QUE PODEM NÃO SER APROPRIADAS PARA PESSOAS SENSÍVEIS

Fonte: redes sociais


Os vídeos publicados ao longo deste texto (a menos quando indicado de outra forma) são do cineasta estadunidense Eliezer Katzoff, que tem conseguido traduzir com sensibilidade alguns aspectos do Sete de Outubro. Coloquei aqui para que ajude na reflexão.


(*) Literalmente, "tzeva adom" significa "cor vermelha", mas faz referência a algo como "Code Red", "código vermelho", um alerta de emergência. É um som único em todo o país que dispara automaticamente quando há mísseis detectados na direção de Israel. É um som que toda criança aprende a reconhecer desde muito cedo.

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