Parece muito pretencioso o plano do presidente Lula,
noticiado pelo britânico Times, de assumir o posto de secretário-geral da ONU, a mesma ONU que ele criticou durante a visita que fez ao Oriente Médio – Israel, territórios palestinos e Jordânia – na semana passada. Pretencioso e, como disse a secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton, ingênuo.
Vamos deixar de lado minhas posições pessoais, algo que tenho tomado como desafio pessoal para seguir trabalhando como jornalista imparcial e objetivo a partir de uma região na qual minha religião poderia me tendenciar para um lado óbvio. Isso não acontece.
Fato é que Lula, como ficou demonstrado na “histórica” viagem do primeiro chefe de Estado brasileiro a Jerusalém, Belém, Ramallah e Amã, não pode assumir papel internacional imparcial. Lula não tem como ser o número um de uma organização que pretende ser objetiva e precisa fugir de priorizar um ou outro lado.
O presidente que critica Israel, visita e homenageia o túmulo de Yasser Arafat, e se “esquece” de questões importantes no complexo conflito do Oriente Médio – como quem são e como atuam o Hamas e o Hizballah, ou a ameaça que o regime de Mahmud Ahmadinejad representa não apenas para Israel, mas para a região e para o mundo – não é imparcial. Não pode ter cargo na ONU.
Mesmo no último dia de visita, quando Lula estava deixando Amã, um ataque do Hamas com um míssil lançado contra Israel, matando um estrangeiro, foi condenado “parcialmente” pelo governo brasileiro. Em nota divulgada pelo Itamaraty, o Brasil “conclama Israel a abster-se de reações desproporcionais”, tirando o direito do país de defender seus cidadãos e os estrangeiros que vivem aqui.
Lula cometeu outros lapsos em sua visita. Não me refiro à decisão de não visitar o túmulo de Theodor Herzl, fundador do sionismo moderno e símbolo importante em Israel como Arafat é para os palestinos – em Belém, conversando com um palestino, ouvi dele que Mahmud Abbas, ou Abu Mazen, não é seu presidente de fato; ele sacou o telefone para mostrar dezenas de fotos do “verdadeiro presidente” dele: Arafat.
Embora a decisão tenha sido condenada pelo chanceler israelense, discordo da crítica. O protocolo foi recentemente mudado e a visita ao túmulo, incluída de última hora. Biden, que esteve em Israel na semana anterior a Lula, foi o primeiro a cumprir o novo cerimonial.
Mesmo assim, e apesar de ter sido bem recebido no Brasil no ano passado, Lieberman – o símbolo do fundamentalismo direitista de Israel – resolveu boicotar o discurso que Lula fez na Knesset, ainda que estivesse no Parlamento. Marco Aurélio Garcia, o assessor especial de Lula para assuntos internacionais, me disse no corredor do hotel em Jerusalém que Lieberman não fere o Itamaraty.
Mas eu falava dos lapsos de Lula. O pior dos erros foi achar que teria o apoio dos palestinos quando sugerisse que o Irã de Ahmadinejad deve participar da mesa de negociações. Errou feio. Ao lado dele, Mahmud Abbas, o presidente moderado da Fatah, disse, demonstrando o tamanho da ingenuidade do presidente brasileiro:
Lula, peça a Ahmadinejad que pare de financiar os terroristas do Hamas…
Cobertura Segui o presidente durante a última semana em cada um dos eventos abertos para a imprensa brasileira, local e internacional. Fui pelo Terra, ao lado de colegas dos principais veículos brasileiros: Estadão, Folha, O Globo, Valor, BandNews TV, TV Globo, Band, SBT, TV Brasil, Agência Brasil, Rede Record, R7 BBC Brasil, RFI e espero não ter me esquecido de ninguém.
Apenas em duas ocasiões a imprensa estrangeira (tanto a local como a de outros países) se interessou especialmente pelo evento: quando Lula depositou flores no Hall dos Nomes, local no Museu do Holocausto que homenageia os milhões de judeus mortos durante a Segunda Guerra Mundial, e sua presença na Muqata, a sede do governo da Autoridade Palestina, ao lado da qual Lula inaugurou a “Rua Brasil”.
O restante da agenda presidencial, só a imprensa brasileira acompanhou.
Em uma semana, correrias, pouco tempo para comer e dormir, expectativa pela declaração presidencial que só veio no último dia, em Amã, e o troca-troca de informações e materiais entre os coleguinhas. As salas de imprensa montadas pelo Itamaraty nos hoteis da Presidência (o King David, em Jerusalém, um hotel próximo ao muro, em Belém, e o Four Seasons, em Amã) viraram salas de operação e emergência. Até tarde, graças ao fuso horário, os jornalistas e seus computadores trabalharam mandando para o Brasil as informações no calcanhar de Lula.
Foi minha primeira cobertura de um presidente brasileiro em viagem oficial para fora do país. Em maio, ele vai a Teerã, e acho difícil que Israel concorde, Irã me dê um visto e veículos no Brasil financiem a viagem, que é bem mais cara e exige uma manobra muito mais extensa e arriscada. Vontade há.
Da primeira experiência, ficaram os colegas, ficou a impressão de que o Brasil, embora mais bem posicionado internacionalmente do que há anos, ainda não pode assumir o papel que Lula quer que o país assuma: o de moderador do conflito entre israelenses e palestinos.
O “vírus da paz”, que está com Lula desde que ele “estava no ventre” da mãe (como ele gosta de frases de efeito…!) não basta para resolver o conflito. Também israelenses e também palestinos, em sua maioria, estão “contaminados” com o mesmo vírus, e isso não tem ajudado. Dar o exemplo do Brasil, onde 10 milhões de árabes e menos de uma centena e meia de milhares de judeus vivem em paz, é deixar escapar a razão principal do conflito: territorial. Lula é ingênuo.
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