Confesso que fiquei revoltado durante o capítulo de hoje da novela das 21h da TV Globo, Amor à vida. Diferente das duas anteriores, essa não me pegou, mas eu estava trabalhando diante da TV e acabei vendo. Para quem não sabe, na trama o Antonio Fagundes é médico, rico e dono de um hospital. Em uma cena, ele conversa com uma paciente – uma mulher grávida que quer abortar.
(Foto: Bill Davenport/Stock.XCHNG)
Deveria ser muito simples: uma mulher que quer abortar deveria poder abortar. Ela é a única pessoa com qualquer direito de tomar a decisão de tirar esse feto da barriga, seja pela razão que for – nem a sociedade retrógrada, nem o Estado, muito menos a Igreja deveriam ter esse direito. E muito menos um médico, claro. Os médicos, na realidade, deveriam ser os agentes da execução desse direito – de forma segura e asséptica. Para evitar um açougueiro.
Vamos à novela, então. E à minha revolta. Em vez de ensinar anticoncepção, de falar sobre camisinha ou pílula (a escolha da palavra “precaução” me incomodou), de colocar o tema em debate, de educar a população que assiste à atração maior do horário nobre, a trama dá os seguintes recados (o diálogo está lá embaixo):
1. aborto é coisa do mal, do demônio, anti-Deus, 2. mulher não tem direito de decidir sobre o próprio corpo, 3. (o argumento religioso patético) células são “uma vida”, 4. quem quer abortar é irresponsável e inconsequente, 5. é melhor mandar uma mulher para um açougueiro a fazer o aborto e 6. um filho (indesejado) pode salvar um relacionamento!
Felizmente há médicos responsáveis que, ainda que ilegalmente, cuidam de pacientes e realizam o aborto. Esses salvam vidas. Isso é “amor à vida”…
Fiquei tão revoltado e indignado com o que via que acabei desabafando no Twitter, durante a novela. Se você concorda comigo e quer retuitar alguma das mensagens (abaixo), basta clicar sobre as imagens. (Se discorda, debata!)
Alguém me sugeriu desligar a TV, mudar de canal. Eu poderia fazer isso. Você poderia fazer isso. E aí? Milhões de pessoas continuariam vendo e continuariam a receber esses recados, essas mensagens. Milhares de mulheres que podem engravidar amanhã poderão decidir por manter um filho indesejado (um monte de células se reproduzindo, até a 12ª semana) porque ouviram um discurso retrógrado no horário nobre. É isso que me preocupa.
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Esse foi o diálogo entre o médico (e galã) vivido por Antonio Fagundes e a paciente, uma pobre coitada qualquer (assista ao vídeo no final).
– (Médico com cara indignada) Como assim, você não quer ter esse filho? – Eu já tenho dois filhos, doutor. Eu nunca casei. O meu ex-companheiro sumiu, eu nem sei onde ele anda. E o pai dessa criança aqui é um namorado, não é nada sério. – Mas vocês dois são adultos, conscientes. Por que não tomaram precauções? – Ah, pintou um clima e… rolou. Eu esqueci de tomar pílula, ele tava sem camisinha. – E essa criança que você tá esperando é que vai pagar por isso? – Mas eu tô de pouco tempo! – Não importa, é uma vida. Eu sei, muita gente acha que interromper uma gravidez é uma coisa simples, basta não querer a criança. Mas eu… eu fiz um voto quando eu tirei o meu diploma de medicina. A minha missão é salvar vidas. – Olha a minha situação, doutor. – Uma situação que você mesma criou. Você arrumou um namorado, não tomou precauções e agora você quer se livrar dessa criança? É uma vida que tá aí dentro. Eu sei que muita gente acha que Deus não existe, duvidam da existência de Deus. Mas pra mim um bebê é a prova mais concreta de que Deus existe. Eu não sei por que você me procurou, eu não entendo, eu sou contra o que você quer fazer. – Então, se o senhor não pode me ajudar, eu vou indo… (se levanta) – Eu sei exatamente o que você vai fazer. Você vai procurar uma pessoa sem escrúpulos que te ajude a tirar essa criança… Você sabe que aborto mal feito é a terceira causa de morte materna no país? Você tá correndo o risco de perder a sua vida. – (Mulher senta e chora, culpada) Desculpa. – Você contou para o seu namorado? – (Mulher faz que não com a cabeça) Não, senhor. – Você não acha que ele tem o direito de saber que você tá grávida? – (Mulher com cara de desalento, em silêncio) – Fale com ele. Quem sabe o seu relacionamento com ele possa ficar mais sólido? (Médico sorri) Você tá gerando uma vida. (Sorri novamente) Lute por ela. – (Mulher sorri, meio de lado, contrariada) Tá. (Cena acaba)
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